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AVC na Infância

Crianças também podem sofrer AVC

        Conhecido popularmente como derrame cerebral, o acidente vascular cerebral (AVC) é geralmente associado aos idosos ou a adultos em situações de risco, com quadros como obesidade, tabagismo, diabetes e hipertensão arterial, entre outros. O que pouco se diz é que crianças também são vítimas de AVC, mas por motivos bem diferentes.
        A forma mais comum de apresentação é o AVC isquêmico (infarto arterial por uma interrupção de fluxo em uma das artérias cerebrais), seguido pelo AVC hemorrágico (com formação de hematomas intracranianos) e as tromboses venosas cerebrais (infarto venoso).
        Apesar de incomum, é uma causa importante de piora na qualidade de vida, de sequela neurológica e mesmo de morte.
        O mito de que não existe AVC em crianças, até mesmo no meio médico, dificulta o seu reconhecimento e a tomada de providências na fase inicial. Esse é sem dúvidas, o maior inimigo para um correto diagnóstico e de um socorro que pode impedir complicações mais graves e de sua recorrência.

Idade de apresentação

        O AVC em crianças pode ocorrer desde o período prenatal (ainda dentro do útero), como também durante o período perinatal (ao nascimento) e neonatal (até 28 dias de vida). A partir de então, é classificado com AVC da infância (até os 18 anos).
        O AVC intraútero é causa comum de paralisia cerebral hemiplégica. É comum os pais notarem atraso no desenvolvimento motor (atraso para sentar, para andar) e mesmo o uso de uma mão preferencial desde a mais tenra idade.
        Este tipo de AVC manifesta-se com uma lesão cerebral definida como porencefalia, que é a formação de um grande cisto, em um único hemisfério cerebral, causada por infarto de um território arterial, ocorrido com a criança ainda dentro do útero.
        Entretanto, o AVC no período neonatal tem maior incidência que o intraútero. É comum que este seja um fator de causa de crise epiléptica e apneia em recém-nascidos, mas a manifestação clínica é mais inespecífica.
        Já na infância, a apresentação dos sintomas do AVC é mais semelhante ao dos adultos, especialmente em crianças maiores e adolescentes.

Causas de AVC na infância

• Doenças cardíacas congênitas e adquiridas.
• Doenças hematológicas: anemia falciforme, hemofilias, distúrbios de coagulação, linfomas.
• Infecciosas: complicações de otites, faringoamigdalites, meningites;
• Doenças arteriais: Moyamoya, vasculites peri e pós infecciosas (após um período de infecções virais comuns, com gripe, estomatites. Pós-varicela, mais tardiamente, por “inflamação” da parede arterial).
• Traumatismo craniano ou cervical, importante nas dissecções arteriais (laceração ou rasgo na parede da artéria, com formação de coágulo).
• Vasculites de sistema nervoso central e doenças autoimunes.
• Erros inatos do metabolismo, como homocistinúria, MELAS.
• Desidratação, uso de cateteres centrais em UTI, cateterismos cirúrgicos.
• Fatores maternos (período pré e perinatal): corioamnionite, pre-eclâmpsia, ruptura prematura de membranas.

Sintomas

        Os sintomas do AVC em crianças são semelhantes aos que ocorrem nos adultos:

• Dificuldade súbita de andar e mexer um dos braços de um mesmo lado do corpo (hemiparesia), podendo ou não estar acompanhado de paralisia facial.
• Dificuldade de deglutição, de fala e sialorreia (salivação excessiva).
• Alterações visuais, com embaçamento, visão dupla, estrabismo.
• Podem acompanhar outros sintomas como sonolência, crise epiléptica, perda de sensibilidade, ataxia (incoordenação), confusão mental e até mesmo o coma.

        Os sinais listados acima são sugestivos de AVC, mas não são exclusivos. Há outras causas, neurológicas ou em outros sistemas, que podem levar aos mesmos sintomas ou a quadros semelhantes.
        A dificuldade para andar pode ocorrer por causas articulares, dores musculares, inflamação nos músculos (miosite) ou mesmo psicogênicas. A paralisia facial como sintoma isolado, quando acomete toda a face de um único lado, geralmente se deve a paralisia facial periférica (ou paralisia de Bell).
        Após uma crise epiléptica (popularmente conhecida por convulsão), é comum ocorrer paralisia temporária de um membro (paralisia de Todd), confusão mental e sonolência, sem ser indício de AVC.
        A migrânea (enxaqueca) com aura também pode levar a um déficit neurológico transitório, sem relação com a doença.
        No geral, quadro de fraqueza motora súbita de apenas um lado do corpo é bem sugestivo de AVC.
        Os pais devem ficar especialmente alertas aos casos em que a criança subitamente começa a “mancar”, quadro que muitas vezes é atribuído como “manha”. Na dúvida, devem a situação deve ser bem avaliada por um pediatra e/ou especialista, para excluir a possibilidade de uma perda de força por causa neurológica.

Diagnóstico

        A tomografia de crânio (TC) é um exame recomendado para realização em pronto-socorro, devendo ser realizado o mais rápido possível. Na fase inicial, pode ser normal, podendo aparecer lesão apenas após 24h do início do quadro.
        A ressonância magnética (RM) de crânio é o melhor método para avaliação, com positividade maior que a TC para demonstrar lesões, mesmo na fase aguda. É o único exame capaz de excluir um AVC, algo que não é possível por um exame de TC normal, bem como avaliar outras possíveis causas neurológicas não vasculares. Entretanto, é um método que necessita de anestesia em crianças menores, além de ser demorado e de alto custo, o que limita sua realização de urgência.
        A angiorressonância e a angiografia cerebral são métodos essenciais para avaliar a presença de alterações na parede dos vasos sanguíneos (estenoses/oclusões arteriais, malformações arteriais e venosas, tromboses venosas, dissecções arteriais).
        A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) é importante para investigar causas infecciosas e vasculite inflamatória.
        O eletroencefalograma (EEG) está indicado quando houver dúvida sobre o diagnóstico, ou mesmo quando o AVC ocorrer associado com crises epilépticas.
        O Doppler transcraniano (DTC) é outro método que pode ser empregado para avaliação do fluxo da circulação sanguínea cerebral, observando se há obstrução do fluxo sanguíneo, presença de circulação colateral, ou mesmo recanalização de uma artéria previamente obstruída. Também é útil para a detecção de êmbolos, liberados para a circulação cerebral, como nos casos de forame oval patente (FOP), que é uma malformação cardíaca. Pode ser utilizado tanto na fase aguda, com tardia do AVC.
        Avaliação cardíaca completa, com eletrocardiograma, ecocardiograma é mandatória, além de outros métodos, com ultrassom cervical, avaliação hematológica e bioquímica sanguínea, incluindo dosagem de colesterol e lactato arterial.
        Recomenda-se ainda avaliação completa para distúrbios de coagulação, processos autoimunes, perfil genético, sorologias infecciosas e dosagem de homocisteína.

Reabilitação e tratamento

        Em geral, há melhor recuperação neurológica em crianças que em adultos e idosos. Isso acontece graças aos mecanismos de plasticidade cerebral, que propiciam o estabelecimento de novas vias e sinapses no sistema nervoso central ainda em desenvolvimento, recuperando sua funcionalidade, ainda que parcial.
        Na fase aguda do AVC, o mais importante é identificar o fator etiológico (causador), para avaliar se há indicação de tratamento específico, a fim de prevenir recorrência do quadro.
        Medicações como antiagregantes plaquetários ou anticoagulantes, podem ser empregadas, de acordo com a causa.
        Não há indicação de tratamento na fase aguda com trombólise (fragmentação de um trombo, ou coágulo, no interior da artéria, por medicamento venoso ou arterial), como empregados em adultos. Não há dados na literatura que comprovem a eficácia e segurança nesta faixa etária. Entreanto cada caso deve ser individualizado em conjunto com o especialista.
        No momento, o único tratamento existente, após a fase aguda, para melhora das sequelas, é a reabilitação.
        Há necessidade e acompanhamento com Fisioterapia, Terapia Ocupacional, além de Fonoaudiologia e Pedagogia, quando há comprometimento da fala e cognição. Além do seguimento com outros especialistas como fisiatra e ortopedista. Há com estimulação magnética transcraniana (transcranial magnetic stimulation ou TMS) e mesmo de tratamentos moleculares, mas todos ainda em fase experimental, sem aplicação clínica.